O imenso Poeta que é Torre da Guia, e que me faz a honra de ser meu amigo, escreveu há tempos esta "História Versejada da Guitarra Portuguesa", cuidadosa e apaixonadamente guardei-a numa pasta especial, uma daquelas pastas que se guardam com o coração. Mas, pensando melhor, hoje decidi publicá-la ... com um abraço de amizade ao meu querido amigo e Poeta Torre da Guia ♥
"Pela Primavera de 1966, ia eu nos 26 anos de idade, seduzido e "empolgado por inopinada ocorrência que tinha a ver com as lides "fadistas (estava curioso e queria saber de fonte experiente qual era a "técnica do versejo de fado), comecei a frequentar assiduamente a cave "típica da «Candeia» na rua do Almada, no Porto.
"Então, com o Álvaro Martins, à guitarra portuguesa, e o Mário Lopes, à "guitarra clássica, apreciava imenso ouvir o Fernando Gomes interpretar "em animado ritmo a «Bruxa de Pinho», tema da autoria de Jorge "Rosa e Francisco Carvalhinho que fazia parte do reportório de António "Mourão, que era na decorrência um muito admirado e aplaudido cantor "da rádio e da televisão.
BRUXA DE PINHO*
Guitarra, minha guitarra,
bruxa bizarra de doze cordas,
só tu animas e acordas
o fado que a mim se agarra;
se te encosto junto ao peito
no terno jeito de quem embala
o peito quase me estala
a palpitar de satisfeito.
Bruxa de pinho, mãe do castiço,
tens um feitiço que não se entende,
mas adivinho quando te abraço
que existe um laço que a ti me prende.
Guitarra tu és a amarra
que prende a minh'alma ao fado;
eu e ele sem ti ao lado
não somos nada, minha guitarra.
Há quem se rale e amofine
e não se afine p'la tua escala;
deixa ralar quem se rala,
basta que eu não desafine.
Só peço a Deus que por sorte
e até á morte, ó feiticeira,
sejas minha companheira
e minha estrela do norte.
"Quase 43 anos depois, dada a polémica incertitude e o «assim-e-assado» permanecente sobre a autêntica origem da Guitarra "Portuguesa, ocorre-me imaginar, argumentar, equacionar e expor a "situação seguinte:
"Sugerindo a ideia, não é difícil imaginar a ambiência social que "decorria em Lisboa na época das invasões francesas, entre 1807 e "1814, ora entre a soldadesca invasora, ora entre as tropas inglesas, "nossas aliadas, que ajudaram decisivamente Portugal a libertar-se da "cobiça napoleónica e a manter-se soberano.
"Em 30 de Novembro de 1807, comandando um exército extremamente "desgastado e faminto, o general Junot, um dos dilectos títeres militares "de Napoleão Bonaparte, após penosa marcha de centenas de "quilómetros, tomou e apoderou-se de grande parte da cidade de Lisboa. "No dia anterior, entre um séquito de 15 mil nobres distribuídos por 34 "navios, a Família Real portuguesa embarcara em preventiva fuga para o "Brasil.
"Só em Agosto do ano seguinte, depois de diversos confrontos entre os "sitiadores e a estóica resistência da população, o general Arthur "Wellesley, mais tarde Duque de Wellington, comandando uma força "britânica, conseguiu pôr termo ao assédio invasor, vencendo "sucessivamente as batalhas de Roliça e do Vimieiro, forçando o inimigo "à Convenção de Sintra, o que permitiu a retirada em navios ingleses do "que restava do exército francês.
"Assim, num dado momento e em gostosa diversão nocturna, numa "daquelas heterógeneas e concorridas tascas alfacinhas, encontrava-se "um grupo de foliões bebendo e fumando entre camareiras, enquanto um "soldado inglês, em exímio dedilhado, tocava um bandolim. Atento à "cena, preso de fascínio ao magnífico som que se soltava do curioso "instrumento, estava um afamado marceneiro português também a "bebericar uns copos. Deliciado com o espectáculo que fruía, o oportuno "marceneiro, captando quanto possível de memória as formas do "mandolim, não descansou até produzir, ao cabo de aturada trabalheira, "um artifício idêntico...
"Quanto a mim, em relacionado raciocínio sobre os factos práticos da "vida, quero crer que foi um desiderato, mais ou menos como aquele que "descrevo, que deu origem à feitura da nossa muito peculiar e "apaixonante guitarra portuguesa, designada «bruxa de pinho» por "inspirado poeta, que a considerou ainda «mãe do castiço, tens um "feitiço que não se entende».
QUIÇÁ NASCESSE ASSIM*
Matutando, cá pra mim,
terá sido o bandolim
que inspirou concerteza
o artista português
que ao acaso um dia fez
a guitarra portuguesa.
Ao redor de lauta mesa
uma tertúlia burguesa
vejo em grande diversão
e lá no meio abancado
em exímio dedilhado
alguém anima a sessão.
Recostado ao balcão,
um mestre na profissão
de marceneiro afamado,
observa muito atento
as formas ao instrumento
por seu som maravilhado.
Mais tarde, assaz devotado,
sem modelo e isolado
trabalhou dias a eito:
recortou, lixou, poliu
e assim que concluiu
pasmou do que tinha feito.
Encostando a seu peito
o instrumento e com jeito
ao tocá-lo na incerteza,
pela emoção que sentiu
foi o primeiro que ouviu
a guitarra portuguesa!...
Torre da Guia
*Molduras já publicadas neste blog
Eu fico... preso nas palavras de Torre da Guia, sejam prosa, verso, ou outro tipo de escrita que ele, não duvido, um dia inventará!... Comecei, muito, mas muito devagarinho, meio a medo, a tornar-me admirador deste homem que, sem medos nem floreados, tem a coragem de enfrentar ventos e tempestades, venham eles de onde vierem, moldando em Poesia toda uma rica vivência, que me fascina conhecer.
ResponderExcluirConcordo, subscrevo ... amo♥
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